Numa tarde, alguns anos
depois de formado, atendi três novos pacientes com o mesmo tipo de queixa
“dificuldade de relacionar-se com os outros”, mas com problemas e origens
diferentes. De certa forma um complementava o outro: o primeiro sofria pelo seu
egocentrismo, outro pela solidão, que beirava a depressão e por fim, o terceiro
por “enxergar pelo coração” as pessoas com quem se relacionava e acabava sendo
incompreendido ou mesmo repreendido. Este último paciente, uma mulher de 23
anos tinha muito a ensinar aos demais, mas não se conheciam e não tinham
ligação. Até começar a atendê-los não tinha ideia do quanto eles iriam
possibilitar um novo direcionamento nos atendimentos.
Início dessa tarde:
14 horas: entrou no
consultório um rapaz de aproximadamente vinte e dois anos, moreno, olhos
tristes, cabelos cacheados, sorriso que mostrava sofrimento. Durante a sessão
de psicoterapia ficou a maior parte do tempo tenso e inclinado para frente. Falava
com arrogância, no entanto era nítida a insegurança no seu discurso. Sua queixa
era que não conseguia manter um namoro. Relatou que depois de alguns meses e
diversas DR (discutir a relação) o relacionamento acabava. Entendia que a
relação estava ruim a ponto de terminar, mas não conseguia sair desse ciclo
vicioso.
No decorrer dos atendimentos
ficou claro o quanto ele queria que as pessoas mudassem para que ele fosse
feliz e pudesse tanto amar e ser amado, mas não fazia o básico: mudar a si
próprio. Ele era egocêntrico: nas conversas adorava falar de si, das atividades
que fazia e gostava, bem como interromper a fala do outro para expor suas
opiniões. A ânsia em falar de si deixava pouco tempo ao outro,
consequentemente, não conhecia com profundidade seus familiares, amigos e as
namoradas que teve. Era comum apresentar
olhar crítico, percebia com muita facilidade os defeitos e os apontava. Por
vezes o fazia de forma engraçada, mas não menos agressiva. Nos namoros não era
diferente, percebia e apontava o quanto a namorada não lhe agradou, ou ficou
distante, mas pouco percebia seus defeitos e seu egocentrismo. Exigia atenção o
tempo todo e para isso justificava que se dedicava inteiramente a namorada.
Isto era verdade, mas não se dava conta que o fazia por carência, por medo de
ficar sozinho e não de forma equilibrada.
Para quase tudo tinha uma
justificativa e geralmente quem tudo justifica não consegue enxergar seus
próprios erros. Se bem que na maior parte das situações ele não chegava a fazer
por mal, mas sua sinceridade e seu modo direto de comunicar acabava ferindo. Com
o tempo deixava suas “namoradas” na defensiva, pois elas não relaxavam, não encontravam
nele um ombro amigo, ele era mais um filho do que um namorado.
Caro leitor faça uma pausa e
reflita se conhece alguém com essas características e como poderia ajuda-la.
No decorrer dos meses
posteriores a missão era faze-lo crescer, tornar-se adulto e um conhecedor do
ser humano e suas necessidades. Ele precisou conhecer quem estava ao seu redor,
perceber as necessidades dos outros, saber o que os motivavam, do que gostariam
de compartilhar. Bem como, identificar o que no seu comportamento era maléfico
nas relações. Aprendeu a ouvir mais do que falar, a respeitar e ser humilde;
com o tempo foi se dando conta que precisava amar para então ser amado. Com
essas mudanças foi possível aprofundar os aspectos subjetivos e emocionais que
lhe apareciam como barreira.
Às 15 horas entrou na sala
um homem de 26 anos, solteiro, engenheiro, negro, com dificuldade de manter
olhar e seguidamente ficava cabisbaixo ao relatar o quanto sofria com a solidão
em que se encontrava. Considerava um fardo muito grande as responsabilidades
que estavam sob suas costas, tanto profissionais como familiares. Relatou que é
o irmão mais velho de uma família de três filhos. Seus pais tinham casado cedo
e dedicado ao sustendo da família, deixaram os estudos para quando pudessem se
dedicar. Ele percebia que desde novo já tinha ultrapassado a condição dos seus
pais, tanto financeira quanto intelectual. Sabia que não seriam eles que lhe
direcionariam na vida moderna, mas o inverso, os pais esperavam dele o apoio e
indiretamente exigiam isso. Ele por sua vez, sempre apresentou sonhos
grandiosos e gostaria de realiza-los, mas nunca tinha se dado conta do peso que
isso representava. Ao mesmo tempo que sonhava lamentava sua condição e sua
solidão, à medida que isso ocorria as pessoas se afastavam dele.
Ao descrever suas relações
apareceu a visão que os outros tinham dele: uma pessoa que reclamava, culpava
os outros e no fundo não tinha condição de realizar o que sonhava. Em vez de
congregar afastava as pessoas, mesmo assumindo profissionalmente posição de
liderança, não liderava, não era exemplo, nem inspirava os colaboradores a lhe
seguirem. No decorrer do processo terapêutico percebeu que procurava a solidão
e o fazia para evitar o confronto.
Ele tinha vários predicados
para se dar bem na vida e no desenvolvimento dos seus projetos, mas pecava no
mais básico, não sabia lidar com o ser humano. Não se interessava e não incentivava
seus colaboradores, não sorria e não demonstrava o quanto seus colaboradores
eram importantes e o quanto colaboravam nos seus projetos. Com seus familiares
reclamava que nenhum o ajudava, que precisava pensar e fazer sozinho.
Nesse caso foi importante
descrever o contexto social da sua infância, como foi educado e principalmente
o que ele fez dessa educação. Porque mais importante do que como fomos educados
é o que fazemos dela, isto é que define com mais profundidade o que seremos e
consequentemente o que faremos e construiremos. Em paralelo foi visto maneiras
mais adequadas de como lidar com as pessoas que o rodeiam e possibilitar uma
mudança sincera da sua personalidade.
16:00h entrou uma mulher de
23 anos, ruiva, expressão suave, olhos meigos, gestos calmos e uma inteligência
aguçada para compreender as pessoas ao seu redor. Foi uma das poucas pessoas
que conheci até hoje que enxergava pelo coração. Quando solicitava que
descrevesse com quem se relacionava, falava das emoções e do que esta pessoa transmitia;
não citava profissão, o que fazia e nem o que tinha. Para ela o importante
estava na subjetividade. Seu modo de ver o mundo me lembrou um trecho do
Pequeno Príncipe “o essencial é invisível aos olhos”. E dessa forma de vê-los
os tratava com muito carinho. Qual o seu problema? Estava na relação com as
pessoas que enxergavam os outros como números, ações, resultados, fardos e status.
Em resumo o importante é o que tem e fazem.
No caso dessa paciente ela
trabalhava numa empresa que era dessa forma que os colaboradores e clientes
eram vistos e tratados. Era seu terceiro emprego e novamente não estava se
adaptando. O problema é que agora estava insegura e angustiada, se questionava
senão era ela que estava errada, pois o que escutava a definiam como ingênua,
frágil, que não vai se dar bem no mundo coorporativo. Com angústia ficava na
dúvida entre continuar onde trabalhava ou construía algo para si. Mas como
empreender estando insegura.
O trabalho desenvolvido com
essa paciente foi de fortalecimento do seu projeto
de Ser, pois mais importante do que ela iria fazer e ter era definir-se de
maneira segura o que queria Ser.
Historicamente ela relacionava-se muito bem com as pessoas, tinha uma legião de
amigos que a queriam muito bem. E por sua vez, ela sentia em seu coração que
tinha um projeto grande para realizar, mas não sabia o que. No decorrer da
psicoterapia foi se encaminhando para montar seu próprio negócio, para gerir da
forma como acreditava que devia tratar os colaboradores e clientes. Anos depois
tive a oportunidade de encontrá-la e verificar que sua empresa é praticamente
uma comunidade e contrariamente ao que lhe diziam, ela se deu muito bem no
mundo coorporativo.
Esses três pacientes nunca
se encontraram, mas eu sabia que caso conseguissem discutir em conjunto seus
problemas, a superação dos mesmos seria mais rápida e todos sairiam
fortalecidos. Foi refletindo sobre esses atendimentos que consegui montar
grupos de psicoterapia. Pois vejo o quanto é significativo o paciente receber
apoio de outras pessoas que estão passando pelo mesmo problema e o quanto é
importante ele se ver ajudando o outro.
A maneira com que atuei com
esses pacientes não são as únicas possíveis e nem necessariamente as melhores,
mas foi um modo de abordar que deu resultado e que ajudou significativamente
essas pessoas. E espero que esse texto posso ajudar mais pessoas. Caso você não
tenha passado por nenhuma dessas situações, talvez conheça pessoas com esses
problemas, compartilhe o texto, procure também ajudar quem você conheça.
Psicólogo
Flávio Melo Ribeiro
CRP12/00449
A Viver – Atividades em Psicologia desenvolveu programas psicoterapêuticos que possibilitam ser trabalhados em grupos e individual.
flavioviver@gmail.com (48) 9921-8811 (48) 3223-4386
Página no Facebook: Viver – Atividades em Psicologia
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